Usuários driblam TV e popularizam transmissão de futebol na web
Fora da briga entre TV e portais, audiência usa serviços de vídeo e se organiza para transmissão de partidas disponíveis apenas em canais pagos.
A rota de colisão em que portais e canais de TV se colocaram na internet pelas parcerias dos primeiros por conteúdo e pelos investimentos dos segundos em tecnologias conta ainda com um terceiro participante: o usuário.
A partir do momento em que os antigos espectadores usufruem a capacidade de criar canais e transmitir conteúdos (sejam eles próprios ou alheios), a crescente integração entre TV e internet no Brasil sofre os impactos da participação do usuário na distribuição de vídeos.
Ainda que canais de TV se movimentem pra reaproveitar na web o conteúdo exibido em sua programação, eventualmente com transmissões ao vivo pela internet (como é o caso de Rede TV! e Globo News), ainda há conteúdos distantes dos domínios online que interessam aos usuários. O principal deles é o futebol.
Beneficiados por serviços de transmissão ao vivo de vídeo (notoriamente o Justin.TV), espectadores criam canais em que transmissões tradicionalmente fechadas, para que os canais lucrem da compra de pacotes pelos torcedores, são distribuídos e consumidos livremente online.
Não é difícil encontrar canais do tipo, que carregam nomes dos times cujas torcidas representam. Palmeiras, Santos, São Paulo, Flamengo, Cruzeiro, Atlético Mineiro e Botafogo estão entre os clubes cujas partidas são reproduzidas online por torcedores que captam o sinal da TV (aberta ou fechada) por placas de captura no PC.
Agregadores de partidas
Ao redor destes perfis se formaram agregadores que organizam as transmissões e indicam em quais canais determinadas partidas estão sendo exibidas, como é o caso do NaTrave.Tk, do ehgol.tk, do TV Zuca e do Brasileirão na Net.
Uma grade indica jogos em andamento, as próximas partidas e competições sem relação com futebol, além de apontar links para filmes na íntegra e a retransmissão (também ao vivo) de canais de TV.
A divulgação dos links para as transmissões (nem todas são registrados pelos agregadores) invade redes sociais e serviços como o Twitter quando se aproxima o início das partidas.
Na rodada deste domingo (27/9), o IDG Now! fez o teste: nas comunidades de times como São Paulo, Corinthians, Flamengo e Santos no Orkut, tópicos próprios eram usados para indicar transmissões (de TV ou rádio), criticadas e enaltecidas ou com alternativas sugeridas ali mesmo por torcedores.
No Twitter, buscas pelo nome de time e termos como “transmissão”, “ao vivo” ou “Justin.TV” devolvia resultados em que, na maioria das vezes, o jogo foi reproduzido com um pequeno atraso em relação à TV.
O aumento na procura (e a conseqüente queda na qualidade das transmissões) fez com que alguns torcedores se juntassem e criassem grupos fechados com canais próprios disponíveis apenas mediante senha. A exigência de senha “filtra o número de torcedores e garante a qualidade do jogo”, defende Ronaldo*, mediador de grupo dedicado a um time paulista.
Além de ter apelo entre aqueles que trabalham no horário da rodada,ver jogos pela internet (e agüentar os potenciais travamentos ou a qualidade bem abaixo da disponível na TV a cabo) é cômodo também aos torcedores cujos times têm partidas renegadas aos canais pagos.
É o caso do engenheiro Cristiano*, torcedor do Santos. Em rodadas em que nem canais de TV a cabo transmitem partidas do time, ele encontra canais no Justin.TV com os jogos do Santos e conecta seu laptop à sua televisão para assisti-los. A “qualidade sofrível” em alguns casos e engasgos da conexão, ainda assim, compensam pelo fato de não gastar pelos canais pagos, chamados no setor de “pay per view”.
Implicações legais
Há um óbvio temor dos envolvidos que faz com que poucos responsáveis por serviços que seguem a linha do NaTrave.tk se manifestem. Os próprios espectadores compartilham o medo e falaram à reportagem com a condição de que usassem nomes fictícios.
“Não tememos e nem recebemos quaisquer notificações (judiciais de canais de TV). Não prestamos serviços ilegais, apenas redirecionamos os links já autorizados pelo servidor” defendem Ágape Gutemberg, Suzy Fernandes e Thiago Watanabe, do TV Supra, em raro caso de responsáveis por serviços do tipo que falam abertamente.
A argumentação generalizada dos responsáveis pelos agregadores de partidas é que não, por apenas indicarem partidas transmitidas por outros usuários, não cometem crime nenhum. Na essência, o argumento segue a linha de defesa do buscador The Pirate Bay, cuja alegação à Justiça da Suécia de que apenas congregava links não evitou que os fundadores do serviço fossem considerados culpados.
O temor se explica pelas potenciais conseqüências jurídicas do fenômeno. Ainda que a Lei Geral das Telecomunicações não preveja punições nominais à transmissão de conteúdos pela internet, a TV Globo já aventa, segundo o diretor da Central Globo de Engenharia, Fernando Bittencourt, a possibilidade de tomar medidas legais contra a divulgação online de seus canais pagos.
A argumentação do canal é aprofundada pelo diretor geral da Globo.com, Juarez Queiroz, para quem o modelo de agregadores de partidas não faz sentido no atual mercado de TV aberta. O clube de futebol “é remunerado por isto. O ‘pay per view’ garante a remuneração dos clubes. A gente toma todas as medidas judiciais para acabar com isto. Vão acabar (as transmissões online) nos próximos meses? Acho que sim. Não faz sentido num modelo como o nosso”.
Globo é o único canal de TV que admite processos contra transmissões online de seu conteúdo - Rede TV!, Cultura e Record descartam ações, enquanto a Band segue mesmo caminho, dizendo que estratégia pode mudar (consultado, o SBT não respondeu).